Volto às minhas observações. Volto aos meus passeios de verão e à minha passagem pela praia. Para início devo dizer que gosto tanto de praia, como o Vítor Baía gosta do Scolari. Uma esplanada, com boa comida, bebida e boa companhia, sim. Agora o desperdício das horas estendido na areia é algo que não me entra na cabeça desde muito novo. Por isso o tempo em que sou obrigado, por motivos que não medem mais de um metro e vinte, a pôr os meus pés na areia, passo-o de antenas ligadas e sentidos bem apurados.
Já sei, está toda a gente a pensar que vou para lá como voyeur, tentando sempre encontrar toplesses que comprovadamente passam com distinção no teste do lápis. Mas não. Observar é muito mais do que isso, ou melhor, é isso e muito mais.
Assim, e num dos dias de tormento no areal, olhei um pouco para cima e avistei a poucos metros uma senhora nos seus tardios 50 (aquilo a que eu há poucos anos atrás chamaria de velha, mas que agora, com o passar do anos, tendo a ser mais cuidadoso no uso desta palavra), com um borrifador, daqueles com aerosol, que de 5 em 5 minutos esguichava água para cima do seu corpo. O seu corpo seco e quase preto fez-me recordar os mais reles croquetes que volta e meia eram servidos na cantina do ciclo preparatório. Eram croquetes claramente feitos de restos, mirrados, sem carne e esturricados, passados por óleo que já tinha visto mais de cem espécies do mundo animal e vegetal. O paladar é impossível de pôr em palavras, mas para avaliarem, os ditos croquetes só eram comidos porque a fome àquela hora, tal como os croquetes, era negra.
Saltou-me à memória uma viagem das Vozes. Não sei em que ano, mas seguramente com tempo quente. Nesse dia, o Vilhas estava particularmente empertigado com o movimento de veraneantes que entupia a estrada. Tudo gente que, como a dita senhora, buscava a condição do croquete. Vociferou nessa altura o nosso baixo: “Durante 400 anos deram-nos porrada e chamaram-nos atrasados. Agora vai a carneirada toda para a praia tentar ficar preta como nós. Afinal quem são os atrasados?”. Sábias palavras! Afinal que raio de gente atrasada é esta que busca a condição dérmica de um Obikwelu ou de um Samakuva? O que é que estas últimas gerações buscam ao fritarem ao sol, além da óbvia futilidade? Ou, pior ainda, depois do sol já não convidar a prolongadas horas de inutilidade, que quer esta gente ao tentar perpetuar a cor debaixo de lâmpadas? Não é isto tão ridículo como o Michael Jackson branco?
O meu sentido mais altruísta e os bichos-carpinteiros quase me levaram a levantar e a dirigir-me àquele corpo em pior estado que o Tutankamon e a dizer-lhe: “tu eres asquerosa, tía. Tu piel es peor que las croquetas de mi escuela. No hay hombre, mujer o perro, hasta lo mas ciego, que te pueda querer así, coño! Piensa blanco, joder!”.
Infelizmente nem sempre o meu filantropismo e misericórdia falam mais alto. Foi o que aconteceu neste caso. Deixei-me estar, procurei sombra e continuei a brincar com as forminhas.
6 comentários:
Por acaso há tempos na praia ouvi uma miúda virar-se para os amigos: O Michael Jackson anda há anos a fazer operações para ficar branco e vocês vêm para aqui para ficarem pretos!
Não sei quem tem mais razão, mas cada um sabe de si e confesso que não me importava de estar bronzeada o ano inteiro (embora não croquete) :p
Beijo
Só tu para me fazeres ver a luz!
Nunca consegui idenificar o sabor dos croquetes (assim como das alheiras) da cantina da faculdade.
Finalmente percebi: sabiam a bronzeador!
Gosto do eufemismo São. Seria mais cruel dizeres que sabiam à velha. Essa crueldade com certeza iria custar a regurgitação dos meus croquetes comidos no ciclo e que já habitam cá dentro há 30 anos...
bjs
jp
Imagina agora se já tivesses comido uma velha :O)
é de facto uma reflexão que dá muito tecido pra panos, ou lá como a expressão se expressa!| =) *
Brutal ! =)
Reflexão interessante...
Folgo em dizer-vos que, felizmente, a moda do croquete está a passar e, em terras americanas, o aspecto bronzeado tem os dias contados. Penso mesmo que, nos próximos anos, e de acordo com o exagero típico das gentes daquelas bandas, passar horas estendido ao sol vai ser tão mal-visto como fumar uma cigarrada "indoors". Isto porque os perigos do sol estão cada vez mais evidentes...
Claro que, em terras Lusas...vai demorar um pouco mais a chegar mas...há-de acontecer.
Só terminando, têm reparado nas sex-symbols hollywoodescas dos últimos tempos? Por exemplo, nem a Nicole Kidman, nem a Catarina Z.Jones, nem a Angelina Jolie se apresentam bronzeadas...
Dá que pensar, não é?!
A moda da pele alva está (quase) de regresso! Será um sinal de evolução? Esperemos que sim...
Beijocas
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