Raramente trago para aqui as minhas experiências pessoais, resultantes de dias sempre muito ocupados.
No entanto, o dia de ontem foi tão pródigo em novas sensações que não resisto em contá-lo.
Logo cedo pela manhã, fui por o carro na revisão. O normal, nestes casos, é o carro ficar pronto a meio da tarde. Fui para a Casa da Música de metro, sentindo o verdadeiro amanhecer da cidade que trabalha!
A meio da tarde, quando esperava o telefonema a dizer que estava tudo pronto, veio a má notícia: uma pequena fissura num tubo de distribuição do gasóleo era suficiente para a viatura ter de esperar por um tubo vindo de Espanha. Raramente uma fissura traz-nos alegrias, é sabido, e esta iria transtornar-me o resto do dia de ontem e o de hoje...
Voltei ao metro e fui dar aulas. Cheguei atrasado e tive de mobilizar a família para voltar para casa. O regresso, tarde e a más horas, ainda trazia tarefas como dar banho aos mais pequenos e dar-lhes o jantar, na hora da ceia. Estava eu no descascar da primeira cebola quando, aquele que tem o meu nome mas menos 36 anos, volta a experimentar a rigidez da esquina de uma porta. O sangue de um e a histeria da irmã dele, fizeram com que o caminho rumo ao hospital fosse vencido com rapidez... ou melhor quase todo o caminho, porque 1 quilómetro antes das urgências ouvi outro estouro. Desta vez não foi a cabeça do destravado contra a porta, mas o pneu do carro que não é meu. Nem parei, segui até ás urgências para deixar mãe e ensanguentado, ficando nas mãos com a filha e com um carro com um pneu completamente destruído.
Como infelizmente os hospitais ainda não fazem o serviço de urgência a viaturas, tive eu de mudar o pneu do carro. Tentei, tentei, mas não consegui. Consegui sim um feito único. Rasgar a pele de um dedo na teia de arames que os pneus escondem no interior, e que aquele tinha resolvido mostrar. Recorri ao meu pai e à mãe, como é costume nestas situações. Um para me ajudar com a roda e outra para me ajudar com a filha. Por outro lado um, o pneu, não saía porque alguma alimária trocou, numa qualquer casa de pneus ou oficina, a chave para desenroscar aquela hóstia. A outra, a filha, além de nervosa, estava faminta. Um só teve solução com ajuda de pronto-socorro. A outra ficou remediada com a ajuda de mais um familiar que a tirou dali e lhe saciou o apetite.
O meu pai, sob um tecto estrelado e um ar quase polar, melhorou o meu péssimo astral com um dito filosófico: ainda assim não foi nada mau. Se fosse há umas semanas atrás, estava a chover. Isto deu-me forças para resistir à fome, ao frio, ao dedo estropiado e à falta de notícias do interior do hospital.
Finalmente, e já perto da meia-noite, voltámos todos a casa, com o mais novo, louco, a julgar que ainda era hora para jogarmos futebol e a regozijar pelo facto de ter mais uma cicatriz na cabeça. Afinal isto de partir a cabeça é só para homens!
E pronto, fui dormir, feliz, porque há com certeza formas muito piores de se ter um dia mau. Hoje, a coisa melhorou... mas não tanto assim: afinal o carro está um pouco pior e a fissura era o menos. Mais peças vêm de Espanha. O bom é que está na garantia e já me deram um de substituição. Por outro lado andei de autocarro da companhia Resende, uma experiência digna dos mais corajosos e de elevado risco. A boa notícia é que não bateu e como se comprova, estou vivo. E no fim de mais um dia agitado, estou com dores de cabeça. O bom é que há muita coisa na farmácia!
Até amanhã!