Há algum tempo que andava para escrever aqui no tasco sobre isto, sobretudo depois de ter lido que a ASAE tinha fechado esses santuários de toxicidade legal de Lisboa que são os balcões de venda da ginginha. Ainda este verão lá fui eu e o meu amigo lisboeta João Silva beber umas (com elas, é claro) no largo de São Domingos, onde todos os dias se fazem cimeiras União Europeia-África sem Mugabes, nem Merkls.
Mas quem será a ASAE? Terá rosto? Julgo que ninguém sabe. A única informação que tenho é que estando a ASAE dependente do ministério da economia, local onde reconhecidamente se congregam as maiores alimárias do actual consulado, deverá ser por lá que se decidem os raids higiénicos em nome do bem comum que ultimamente têm vindo a fazer. António Barreto, numa excelente crónica que vinha no Público, escreveu sobre este seguidismo parolo e provinciano dos “bons alunos” de Bruxelas, que mata aos poucos usos e costumes em nome de uma falsa qualidade. A identidade nacional que devemos preservar passa pela colher de pau, pelo chouriço caseiro, pela castanha em papel de lista telefónica. Alguém acredita que os ingleses vão deixar de comer fish & chips à mão e embrulhado em papel de jornal só porque um punhado de burocratas acha que se trata de um atentado à saúde pública? É claro que não! É nojento? É! Mas se é assim que sabe bem, haja jornal e fritos. A verdade é que estas políticas nos querem à imagem e semelhança dos seus responsáveis: assépticos e agâmicos, umas verdadeiras amebas.
Na noite de Natal fui presenteado com o livro “As Tascas do Porto” de Raul Simões Pinto. Este extraordinário guia que a minha irmã me deu, foi devorado ontem, com a mesma rapidez com que se come um pratinho de moelas ou umas pataniscas. Ao lê-lo, passei por sítios onde já várias vezes entrei como é o caso da Adega o Papagaio, Adega do Olho, o Buraquinho dos Poveiros, a Casa Amaro, ali mesmo à beira da casa do Isaac, o meu eterno amigo de infância, ou a mais conhecida das tascas, a Badalhoca, onde se comem as melhores sandes de presunto do mundo. Li a história da casa Rei dos Galos de Amarante, onde as Vozes têm comido e onde fizemos amizade com o Sr. Rodrigo e a D. Rosa. Nas paredes estão testemunhos nossos, para quem lá for comer.
A maior surpresa, para mim, está na página 120, quando o proprietário do Retiro da Lixa, na Rua das Fontaínhas, fala no hábito de se cantar a cappella no tasco dele. Passo a citar: “Tempos bons esses do “cantar a cappella” – estilo “Vozes da Rádio”, sem instrumentos –, alguns clientes tinham voz de tenor, outros imitavam o falecido Neca Rafael, fadista da Afurada, e cantávamos até às 2, 3 da manhã.” Sr. Fernando! Obrigado, esta é a melhor prenda de Natal para as Vozes! Sermos referência neste meio, vale mais que mil imagens em revistas cor-de-rosa.
Infelizmente em todo o livro há um horizonte cinzento, um medo do futuro, com estas cruzadas em nome da saúde pública. A isto se junta uma cidade que vai lentamente morrendo e que leva a que as cerca de 100 tascas do Porto tenham os dias contados. Isto, é claro, se não fizermos nada. Por isso sugiro que daqui para a frente tomemos um traçadinho ou um pinochet pelo menos uma vez por dia, num tasco da cidade. Que os lanches deixem de ser no “pão quente” e passem a ser no tasco mais próximo. E que à chegada das brigadas da ASAE haja paus e punhos, para, quais padeiras de Aljubarrota, expulsarmos o Satanás. Contra a ASAE, marchar, marchar… e para quem nela manda, cito Caetano: “Dona das divinas tetas/ La leche buena toda en mi garganta/ La mala leche para los puretas”.